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Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Recusa de ingresso de escritura de venda e compra com cessão de direitos

CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Recusa de ingresso de escritura de venda e compra com cessão de direitos 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 3000311-26.2013.8.26.0408, da Comarca de Ourinhos, em que é apelante OSMAR DE ABREU PAULINO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE OURINHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A DÚVIDA E DETERMINAR O REGISTRO DO TÍTULO, V.U.“, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 23 de fevereiro de 2015.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n.° 3000311-26.2013.8.26.0408
Apelante: Osmar de Abreu Paulino
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ourinhos

VOTO N° 34.147

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Recusa de ingresso de escritura de venda e compra com cessão de direitos – Vendedores, representados por procurador, falecidos na época da lavratura do ato – Afirmação de invalidade do ato pela cessação dos poderes outorgados – Exame que extrapola os limites da qualificação do título, restrita aos aspectos formais – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença da MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ourinhos, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa do registro de escritura pública de compra e venda e cessão de direitos do imóvel matriculado sob número 19.079, por ter sido lavrada no ano de 2012 mediante representação por procuração outorgada no ano de 1989 pelos vendedores co-proprietários Inaiê Sá Trench de Medeiros e João Batista Medeiros a Fuad Cury, que vieram a falecer nos anos de 2006 e 2004 respectivamente, sob o fundamento de que o mandato perdeu sua eficácia em razão da morte dos outorgantes, nos termos do inciso II do artigo 682 do Código Civil.

O apelante afirma, em suma, que a procuração outorgada para cumprimento de negócio também não se extingue com a morte, porque tal não interessa apenas ao mandante, mas também ao mandatário e à pessoa que com ele contratou. Cita doutrina sobre a matéria.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Antes da análise do recurso, observo que a dúvida, não obstante tenha sido julgada pela r. sentença como “improcedente”, na realidade foi julgada procedente porque a recusa da Oficial em registrar a escritura de compra e venda foi mantida.

A escritura de compra e venda com cessão de direitos foi lavrada em 28 de dezembro de 2012, ocasião em que os outorgantes vendedores e proprietários Inaiê Sá Trench de Medeiros e seu marido João Batista Medeiros, representados por procuração outorgada em 6 de janeiro de 1989, já eram falecidos.

Embora nos termos do inciso II do artigo 682 do Código Civil o mandato cessa pela morte, em algumas situações o ato jurídico praticado pelo mandatário em nome do mandante falecido deve ser considerado válido, pois, de acordo com o artigo 689 do Código Civil, “São válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos com estes ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele ou a extinção do mandato, por qualquer outra causa.”

Da análise da escritura pública de compra e venda com cessão de direitos, verifica-se que esta foi lavrada em cumprimento aos termos do contrato particular celebrado entre o Espólio de Ubirajara Trench (de quem os outorgantes vendedores são herdeiros e sucessores) e a interveniente cedente, em 5 de julho de 1983, registrado na matrícula do imóvel (R1/M 19079) em clara demonstração de que o preço foi integralmente pago e que os contratantes agiram de boa-fé.

Verifica-se também que não só os vendedores proprietários falecidos como todos os demais estão representados pelo mandatário Fuad Cury por força de procurações outorgadas nos anos de 1988 e 1989, com posterior substabelecimento datado de 13 de janeiro de 2012, e não há nada nos autos que possibilite afirmar que era de conhecimento do mandatário o falecimento dos dois mandantes.

Estas circunstâncias mostram que o ato pode ser considerado válido e, conforme já se decidiu:

“Escritura definitiva de compra e venda. Outorga por mandatário após a morte do mandante. Admissibilidade. Ato praticado em complementação a compromisso de compra e venda em caráter irrevogável e irretratável, firmado pelo mesmo procurador do alienante, antes de sua morte. Transações, ademais, firmadas com lisura. Aplicabilidade dos arts. 1.308 e 1.321 do Código Civil (de 1916). Ação improcedente. Recurso não provido.” (RJTJESP 126/47).

“O mandato passado para a lavratura de escritura de compromisso de compra e venda de imóvel não se extingue pela morte do promitente vendedor se a totalidade do preço já havia sido recebida em vida pelo mandante” (5ª Câmara Cível do TJRJ, Apelação Cível n° 19.007,RDI 10/116-117; no mesmo sentido: 1ª Câmara Cível do TJPR, ApelaçãoCível n° 1.052/85, RDI 17-18/123-124).

Não cabe, ao Oficial, no âmbito da qualificação registrária que deve ser restrita aos aspectos formais e extrínsecos do título, impedir o ingresso no fólio real sob a afirmação de invalidade, o que deve ser reservado à esfera jurisdicional, onde a cognição é ampla e abrange os aspectos formais e materiais (intrínsecos) do negócio.

Consoante lições de Afrânio de Carvalho, o Oficial tem o dever de proceder ao exame da legalidade do título e apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (“Registro de Imóveis”, ed. Forense, 4ª edição).

Este Conselho Superior da Magistratura, na Apelação Cível n° 562-6/6 datada de 30/11/06 e que teve como relator o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Gilberto Passos de Freitas, em caso análogo que se aplica ao ora examinado, decidiu nesse mesmo sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de Compra e Venda – Provável falecimento de outorgante vendedora representada por procurador e consequente extinção do mandato, que não autoriza a recusa do título Qualificação registrária limitada ao juízo cognitivo formal – Recurso provido.

Nesse julgado, outros no mesmo sentido foram transcritos:

“Verifica-se, portanto, que anteriormente à data em que lavrada a escritura de venda e compra já haviam ocorrido dois fatos que caracterizam hipóteses legais de extinção do mandato outorgado pelos titulares do domínio, ou seja, o falecimento da mandatária (Código Civil, artigo 1.316, II) e o subsequente casamento do outro outorgante da procuração (Código Civil, artigo 1.316, III).

Inexiste nos autos ou na documentação apresentada ao registrador, no entanto, qualquer indício de que o mandatário conhecesse tais fatos extintivos do mandato, ou circunstância que abalasse a presunção de boa-fé daqueles que compareceram à lavratura do ato notarial, na verdade praticado em complementação ao compromisso de venda e compra firmado pelos alienantes em data próxima à da outorga da procuração, ocasião em que os mandatários receberam a parcela do preço que lhes cabia e atribuíram aos então compromissários compradores a obrigação, posteriormente cumprida, de pagar as parcelas de financiamento bancário.”(Apelação Cível n° 51.301-0/2, da Comarca deCampinas, j. 05.11.1998, rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição).

“A qualificação registrária sob o prisma da legalidade, no Ofício Predial, obedece a critérios formais: o exame é extrínseco e se circunscreve àquilo que no bojo do título se contém. Em princípio, não é dado ao oficial valer-se de subsídios extra-tabulares a exemplo de fatos de seu conhecimento pessoal para a caracterização de óbice registral concernente à observância da legalidade. Bem por isso é que adverte Afrânio de Carvalho: “Como a legalidade é aferida em vista tão somente do que o ‘titulo mostra em sua face, a passagem pelo exame não impede que às vezes ele se revele mais tarde um sepulcro caiado devido a presença de vícios internos, invisíveis ou imperceptíveis a simples inspeção ou leitura do documento’ (“Registro de Imóveis”, Forense, 3ª ed. 1982, pág. 278″). E é igualmente por essa razão que, considerado o registro existente, a detecção de nulidade, por vistosa que se apresente, no título que o gerou, não enseja a aplicação do disposto no artigo 214 da Lei n° 6.015/73, de incidência reservada àquelas nulidades próprias do mecanismo do registro. (…)

Restou apurado, assim, que o outorgante vendedor Verceslau Odrozvãoz dos Santos faleceu em 1973, anteriormente, portanto, ao negócio jurídico celebrado em 1981, no qual, representado por mandatário, vendeu imóvel ao apelante.

Ninguém questiona que o mandato se extingue, “ex vi legis”, pela morte do mandante (artigo 1.316, inciso II, do Código Civil).

(…)

Ocorre que não deflui da sistemática legal a conclusão de que ato praticado por mandatário após o falecimento do mandante seja, necessariamente e em todos os casos, inválido ou ineficaz. Ao contrário, o artigo 1.321 do próprio Código Civil contempla hipótese em que tal consequência é expressamente afastada. A jurisprudência tem reconhecido outras situações em que admitida a não incidência daquela presunção de invalidade (cf. “Revista de Direito Imobiliário do I.R.I.B.”, volume 10, pág. 116, o volume 17/18, pág. 123).

Por isso, em que pese a estranheza e mesmo à suspeição que possam ser geradas por negócio jurídico como o instrumentado no titulo em exame, a sua eventual nulidade, a respectiva inidoneidade à produção dos efeitos a que tende, não emergem de pronto, não resultam de claro diagnóstico de ato vedado por lei. O vício que porventura no ato jurídico se contenha não é daqueles que produzem repercussão na esfera da legislação formal que incumbe aos registradores observar e tutelar. Em outras palavras: “pelo motivo apontado, o título não pode ser considerado formalmente imperfeito; a nulidade, se existir, é, insista, interna ao título, não se revelando na esfera registrária em ordem a impedir o ingresso deste.”(Desembargador AROLDO MENDES VIOTTI (na ocasião JuizAuxiliar da Corregedoria), ponderações emitidas em 08.02.1989, no parecer referente à Apelação Cível n° 9.675-015, da Comarca de Itapeva.)

Isto posto, dou provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.


HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR 

Marcello Oliveira da Silva

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