24/01/2025
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do TJSP)
Atualizado em 06/02/2025
A Justiça de São Paulo negou o pedido de indenização de um homem que descobriu não ser pai biológico de uma criança de 11 anos. A decisão é da 2ª Vara Cível do Foro Regional do Tatuapé, mantida pela 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado.
Segundo informações do TJSP, o homem se casou com a mãe da criança em 2007, poucos meses antes do nascimento. A separação aconteceu em 2010.
Em 2019, ao desconfiar que poderia não ser o pai biológico do garoto, o autor fez dois testes de DNA, cujos resultados deram negativo. Em 2023, ajuizou ação indenizatória.
Ao avaliar a questão, o desembargador-relator da apelação entendeu que o prazo prescricional de três anos previsto no Código Civil começa a contar a partir da ciência inequívoca do fato danoso, o que ocorreu, no caso, a partir do conhecimento de que o homem não era o pai biológico, ou seja, quando recebeu o resultado do exame de DNA.
Ainda conforme o magistrado, o autor utilizou-se do fato de não ser pai do infante em uma ação revisional de alimentos, datada em 17 de abril de 2019.
Boa-fé objetiva
Para a advogada Renata Vilela Multedo, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão parece acertada, pois “não há qualquer menção na notícia da ocorrência de ato ilícito ou de conduta abusiva mediante a violação da boa-fé objetiva por parte da mãe”.
Ela ressalta que a ausência de vínculo biológico não tem o condão de, por si só, gerar o dever de indenizar. “É necessário a comprovação in concreto da violação de um dos substratos da dignidade do pai (liberdade, igualdade, integridade psicofísica e solidariedade), já que o simples conhecimento de que o pai não seria o pai biológico, não é, por si só, um dano passível de reparação.”
De acordo com Renata, o prazo prescricional de três anos, previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil, foi aplicado a partir do conhecimento do dano pelo autor da ação, ou seja, com a descoberta da ausência de vínculo biológico.
“Os dois principais requisitos considerados pelos Tribunais para a caracterização do dano como indenizável são a existência de prova robusta no sentido de que houve vício da vontade do pai no momento do registro, ou seja, que houve erro substancial, dolo ou coação; (ii) ou a conduta abusiva, por meio da violação da boa-fé objetiva por parte da mãe/genitora”, esclarece.
A advogada também pontua que a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça – STJ se posiciona no sentido da impossibilidade da desconstituição da parentalidade quando já estabelecido o vínculo socioafetivo de filiação. “Referidas considerações devem nortear a decisão sobre a manutenção ou não da paternidade reconhecida e a concessão ou não de reparação.”
Legislação
Segundo Renata Vilela Multedo, o anteprojeto de Reforma do Código Civil, no que tange às ações que visam à possibilidade de desconstituição da parentalidade pela ausência do vínculo biológico, traz propostas que visam positivar o entendimento já consolidado pela jurisprudência brasileira e pela doutrina de forma majoritária em relação aos limites para esse tipo de demanda, de forma a alinhar a legislação às realidades contemporâneas.
“Assim, propõe como a inclusão dos artigos 1.615-A e 1,615-B que a contestação do vínculo de parentalidade dependa da prova da ocorrência do vício de vontade, falsidade do termo ou das declarações nele contidas, impondo como limite a insuficiência da inocorrência de vínculo genético para exclusão da filiação, quando comprovada a existência da posse do estado de filho. Tal posicionamento ainda é consolidado no anteprojeto quando se propõe a criação de um capítulo destinado à socioafetividade, que se inaugura com a inclusão do art. 1617-A que dispõe que ‘a inexistência de vínculo genético não exclui a filiação, se comprovada a presença de vínculo de socioafetividade’”, observa.
Já em relação ao prazo prescricional para demandas indenizatórias, acrescenta a especialista, o anteprojeto propõe, em que pese a discutida redução do prazo geral de 10 para 5 anos, um aumento do prazo para a pretensão de reparação civil de 3 para 5 anos.
“Acertadamente, não há no anteprojeto, como jamais existiu na legislação brasileira, qualquer disposição sobre paternidade fraudulenta como um ilícito específico, o que certamente iria de encontro a toda a axiologia constitucional”, conclui Renata.
Por Débora Anunciação