CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Usucapião – Recusa de registro
publicada em 11/02/2015
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 3020850-22.2013.8.26.0114
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 3020850-22.2013.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que são apelantes ANTÔNIO EDUARDO CARDOSO DE MORAIS e VANDA DOMINGUES DA SILVA MORAIS, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U. DECLARARÁ VOTO CONVERGENTE O DES. RICARDO MAIR ANAFE.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 18 de novembro de 2014
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n° 3020850-22.2013.8.26.0114
Apelante: ANTÔNIO EDUARDO CARDOSO DE MORAIS E OUTRO
Apelado: 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS
VOTO N° 34.114
Registro de imóveis – Dúvida – Usucapião – Recusa de registro com fundamento na ausência de descrição suficiente do imóvel e existência de parcelamento irregular – Princípio da especialidade objetiva não observado – Recusa mantida em relação à descrição do imóvel – Parcelamento irregular que, todavia, constituía matéria sujeita à analise na ação de usucapião – Inexistência de norma que imponha regularização do parcelamento antes do registro da sentença – Recurso desprovido.
Antônio Eduardo Cardoso de Morais e Vanda Domingues da Silva Morais interpuseram apelação contra a sentença das fls. 297/302, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, mantendo a recusa de registro do título (sentença de usucapião), até que se proceda à regularização do parcelamento do solo, além de reconhecer a deficiente descrição do imóvel prescribendo.
Os apelantes sustentam que o óbice não deve prevalecer, pois não há qualquer reparo a fazer no título aquisitivo, foram preenchidas todas as condições da ação até seu julgamento, com o efetivo trânsito em julgado. Sustentam que, além disso, a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, que teria o condão de “purificar e escoimar” a propriedade de qualquer vício ou irregularidade existentes, mesmo porque a qualificação feita pelo Oficial deve se operar apenas em relação aos aspectos registrários e não ao mérito da demanda, o que afrontaria o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Nesses termos, pedem a reforma da sentença para afastar os óbices apontados (fls. 307/313).
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 336/344).
É o relatório.
Assinale-se que, cientificados da possibilidade de julgamento virtual do recurso, os apelantes manifestaram-se contrários ao meio, assinalando que se opõem “pelo fato de cuidar-se de questão complexa e que deverão ser analisados todos os pontos combatidos através da análise dos autos, sob pena de trazer prejuízos aos apelantes se analisadas apenas a sentença monocrática que sempre louva-se nos pareceres dos titulares do Registro de Imóveis e do Ministério Público” (fl. 351).
Inicialmente, verifico que persiste a dúvida relacionada à matrícula da qual área usucapienda teria sido destacada, ainda que o Oficial refira que “parece preponderar a noção de que o imóvel estaria compreendido dentro dos limites da matrícula 27.387 do 2º Registro de Imóveis de Campinas, uma vez que a denominação do imóvel, Gleba b da Fazenda São Pedro, constitui o elemento de maior segurança dentre os disponíveis, notadamente porque os diversos contratos acostados referem-se a imóvel com esta denominação (fls. 11, 14, 16, 22 e 25)” – fl. 05.
A sentença prolatada na ação de usucapião, por certo, deveria ter melhor indicado o imóvel usucapiendo, mesmo fazendo remissão ao laudo pericial, memorial descritivo e/ou planta, o que evitaria qualquer dúvida sobre a correta descrição do imóvel, sobretudo por se tratar de área de parcelamento irregular.
Nesse sentido, destaca-se a seguinte afirmação do Oficial de Registro de Imóveis:
“Considerando, portanto, que ambas as matrículas (27.387 e 86.674) não tem descrição tabular, resulta ser impossível saber, com segurança, se o imóvel objeto do título está em uma, em outra, parte em cada uma ou até mesmo fora de ambas”.
A situação é ainda mais grave quando observo que tanto a matrícula 29.227 quanto a 27.387 sofreram diversos destaques, a ponto de a descrição da última ter se perdido, sem a devida apuração do remanescente, o que torna realmente impossível a correta localização e descrição do imóvel objeto da ação de usucapião.
A deficiente descrição do imóvel impede o registro da sentença de usucapião, por afronta ao princípio da especialidade objetiva.
Para Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade do imóvel significa sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro (Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei 6015/73, 2ª edição, Rio de Janeiro, 1977, p. 219).
Quanto ao óbice relacionado à necessidade de prévia regularização do parcelamento do solo, não há qualquer norma que imponha a regularização do parcelamento antes do registro da sentença de usucapião, mesmo porque, trata-se de modo originário de aquisição da propriedade, do qual se inaugura nova matrícula, distinta da original.
Compreendem-se as suspeitas do Oficial de Registro de Imóveis, sobretudo quando afirma que a matrícula 27.387 que, inicialmente, possuía área de 76,98 hectares, já sofreu onze desfalques, todos de áreas de aproximadamente 20.000,00 m2, que corresponde exatamente à fração mínima de parcelamento, tudo a indicar parcelamentos sucessivos, típica modalidade de loteamento irregular. De qualquer modo, a questão deveria ter sido ventilada nos autos da ação de usucapião e poderia ser coibida a partir de uma diligente instrução probatória, com a realização de perícia, imprescindível no caso em questão, o que permitiria a adequada descrição do imóvel e a constatação da possível intenção de efetivar e chancelar por medida judicial a constituição de parcelamento irregular.
O certo, contudo, é que persiste o óbice relacionado à insuficiente descrição do imóvel, a impedir o registro do título.
Posto isso, nego provimento ao recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n. 3020850-22.2013.8.26.0114
Apelante: Antônio Eduardo Cardoso de Morais e outro
Apelado: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas
TJSP-Voto nº 20.705
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR
Registro de Imóveis.
Usucapião – Insuficiente descrição do imóvel na sentença – Ausência de ponto de amarração do imóvel na matrícula em questão – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Dúvida procedente.
Recurso desprovido.
1. Cuida-se de apelação contra decisão proferida pelo Juízo Corregedor Permanente do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, que negou registro de sentença de usucapião.
É o relatório.
1. Com razão o Excelentíssimo Desembargador Relator Corregedor Geral da Justiça ao desprover o recurso de apelação.
Ao respeitável voto do Ilustríssimo Relator acrescento apenas um argumento, a meu ver, o mais importante.
In casu, o registro do título ofenderia o princípio da especialidade objetiva por ausência de ponto de amarração do imóvel objeto da usucapião na matrícula em questão.
Com efeito, o processo de usucapião considerou o imóvel como destaque da matrícula n° 29.227 do 2º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas (vide fl. 39, 86, 88, 89/90, 94/109, 116/118, 131, 133, 136/138).
Todavia, ao que parece, o imóvel seria parte de outro imóvel, matrícula n° 27.387 (vide fl. 175).
Evidentemente, não há ponto de amarração do imóvel em matrícula que não lhe é própria, em destaque originário.
A propósito da especialidade objetiva, bem leciona Afrânio de Carvalho:
“De fato, na atualidade, não basta, para a individualização do imóvel, a menção das linhas geométricas, uma vez que estas determinam a figura do imóvel, mas não marcam a sua posição no espaço, se não tiverem uma amarração geográfica.
(…)
Assim, o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa um lugar determinado no espaço, que é o abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as raias definidoras da entidade territorial.” [1]
1. Ante o exposto, pelo arrimo esposado, pelo meu voto, nega-se provimento ao recurso.
Ricardo Mair Anafe
Presidente da Seção de Direito Público
Nota:
[1] CARVALHO, Afranio de, Registro de Imóveis, 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1.982, p. 247.
Relacionado