França se torna o primeiro país do mundo a garantir o direito ao aborto na Constituição
05/03/2024
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do G1)
Após votação histórica, a França se tornou o primeiro país no mundo a garantir constitucionalmente o direito ao aborto. O Parlamento francês aprovou nessa segunda-feira (4) a inclusão do direito na Constituição nacional. O texto já havia sido aprovado em ambas as casas do Parlamento francês, a Assembleia Nacional e o Senado.
O texto foi aprovado por 780 votos favoráveis a 72 contrários em sessão conjunta no Palácio de Versalhes. A decisão deve ser promulgada pelo presidente Emmanuel Macron no Dia Internacional da Mulher, nesta sexta-feira (8).
O aborto já era legalizado na França desde 1974. Com a decisão, o aborto passa a ser garantido pela própria Constituição francesa, em seu artigo 34: “a lei determina as condições em que uma mulher tem a liberdade garantida de recorrer ao aborto”.
No Brasil, o aborto é crime previsto desde o Código Penal de 1940. A lei prevê exceções para casos de risco à vida da gestante ou quando a gravidez for resultado de estupro.
Em 2012, uma decisão do Supremo Tribunal Federal – STF abriu exceção também para casos de anencefalia fetal, ou seja, malformação do cérebro do feto.
Pioneirismo
A advogada Francielle Elisabet Nogueira Lima, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, reconhece a iniciativa da França como um avanço sem precedentes para a promoção de direitos atrelados à saúde sexual e reprodutiva de meninas, mulheres e outras pessoas que gestam. “Digo sem precedentes porque, apesar de diversos países autorizarem a interrupção voluntária da gravidez em seus territórios e o Nepal, por exemplo, trazer dispositivos importantes, em sua Constituição, sobre direitos atrelados à saúde sexual e reprodutiva, a França consignou de forma explícita a proteção ao aborto, incorporando valores de uma histórica pauta feminista.”
“Ante o atual cenário social, jurídico e político de disputas travadas no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, são esperadas reações contrárias e avaliações negativas, mas o exemplo da França segue sendo relevante para a concretização dos direitos humanos na perspectiva da justiça reprodutiva”, avalia a especialista.
Na visão dela, trata-se de um movimento importante em um contexto no qual direitos reprodutivos têm sido objeto de ofensivas por parte de setores conservadores e fundamentalistas religiosos ao redor do globo. Ela lembra que, há cerca de dois anos, foi derrubada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, a decisão que possibilitava, a partir de uma leitura constitucionalizada do direito à privacidade, a interrupção voluntária da gravidez até o primeiro trimestre naquele país (Roe vs. Wade, de 1973).
Legislação brasileira
Francielle lembra que o quadro de aborto legal no Brasil também é regulado por normativas infralegais (soft law), como resoluções, portarias e demais normas técnicas. Atualmente, acrescenta a especialista, a descriminalização do aborto vem sendo tratada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 442, cujo julgamento teve inicio em 2023.
“Além disso, discute-se no STF, por meio da ADPF 989, o reconhecimento de um Estado de Coisas Inconstitucional em relação ao aborto já legalizado, ante a constatação de obstáculos a seu acesso por meninas, mulheres e demais pessoas que gestam, a exemplo do uso indiscriminado do direito à objeção de consciência por parte dos profissionais da saúde, a exigência de Boletim de Ocorrência, a imposição do exame de corpo de delito e outros exames, as discricionariedades na definição de limites à idade gestacional e o nem sempre garantido sigilo do prontuário médico, para não mencionar as dificuldades de acesso a informações sobre o procedimento nos hospitais de referência”, aponta.
De acordo com a advogada, na esfera do Poder Legislativo brasileiro, em termos quantitativos, a maioria dos projetos de lei buscam uma restrição maior ao direito ao aborto, “como é o caso da Proposta de Emenda à Constituição 49/2023, que objetiva acrescentar ao art. 5º, de forma expressa a ‘inviolabilidade do direito à vida, desde a concepção’.”
“O que também percebemos, na linha do que vem sendo alegado na ADPF 989, é que mesmo autorizado em determinadas hipóteses, o tema do aborto legal vem sendo negligenciado, especialmente em termos de regulamentação – veja que, somente a partir da década de 1990, é que temos as primeiras iniciativas regulatórias, ainda que as previsões do Código Penal existam desde os anos 1940. E é claro que, no atual cenário de ofensivas antigênero, o direito ao aborto legal vem sendo objeto de ataques”, destaca Francielle.
A especialista comenta ainda sobre propostas legislativas já aprovadas, como a Lei Estadual de Goiás 22.537/2024, objeto da ADI 7597. A norma busca “institucionalizar campanhas de ‘conscientização’ contra o aborto, com a previsão de oferecimento à pessoa gestante que se enquadra nas hipóteses de aborto legal exames para ouvir os batimentos cardíacos do nascituro”.
Por Débora Anunciação
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