Filhos de homem morto a mando da esposa podem receber seguro? – julga STJ

Filhos de homem morto a mando da esposa podem receber seguro? – julga STJ

15/02/2024

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do Migalhas)


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ deve decidir se os filhos de um homem assassinado a mando da esposa devem receber seguro de vida. Conforme informações divulgadas pelo Portal Migalhas, o recurso foi impetrado por uma seguradora contra decisão que manteve a validade de indenização de seguro de vida para os filhos do homem assassinado.

A esposa, condenada como mandante do crime, teria contratado um seguro em seu nome, e outro em nome do marido, seis meses antes de cometer o crime. Os beneficiários, no seguro do marido, seriam ela (50%), e os dois filhos menores de idade (50%).

Na origem, o Tribunal de Justiça do Paraná – TJPR considerou que o regime de nulidade poderia ser relativizado, de modo que o contrato de seguro perderia a validade somente em relação ao causador do ato, portanto, o contrato de seguro permaneceria hígido quanto aos beneficiários remanescentes que nada contribuíram para a morte. No recurso especial, a seguradora defendeu a nulidade do contrato, o que impediria quaisquer efeitos em benefício de quem quer que seja.

No entendimento da relatora, ministra Nancy Andrighi, o direito dos filhos à indenização deve ser mantido. O ministro Marco Aurélio Bellizze pediu vista, mas sinalizou que nenhum valor deve ser devido, pois, quando contratou o seguro, a mulher já pretendia matar o marido.

O professor e advogado Rodrigo Toscano, presidente da Comissão de Empresas Familiares e Holding do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, observa que os contratos devem guardar em todas as suas fases, e mesmo antes da formação, o princípio da boa-fé. Ele comenta o caso com base nas informações divulgadas pela imprensa, sem acesso aos autos.

“No caso do contrato de seguro, a boa-fé é ainda mais relevante, tendo o Código Civil dado, inclusive, ênfase especial, no artigo 765, ao prever: ‘o segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes’”, aponta o especialista.

Para o advogado, este é o ponto que parece ser “mais duro” de ser resolvido no caso concreto. “O pedido de vista é feito justamente com base na observação de que a esposa contratou o seguro quando já pretendia matar o marido. Este fato, a priori, quebra a boa-fé objetiva que deve permear o contrato de seguro.”

“Além disso, há uma previsão de nulidade, conforme previsto no artigo 762, do Código Civil: ‘nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro’”, acrescenta.

Nulidade

Rodrigo Toscano explica que o ato doloso foi praticado pela representante dos segurados (menores) e, em princípio, o contrato de seguro seria nulo. “Segundo a matéria, o TJPR entendeu que o regime de nulidade de que trata a norma poderia ser relativizado, mantendo o pagamento da indenização aos filhos (50%) e negando à esposa.”

“A questão não é fácil de ser resolvida, até mesmo por não termos elementos suficientes para afirmar que a contratação do seguro teria a finalidade expressa de se conseguir a indenização. Mesmo considerando que o seguro foi contratado quando a esposa já tinha a intenção de mandar matar o marido, a contratação do seguro pode não ter nexo com este fato em si e, neste ângulo, seria razoável manter a decisão do TJPR que determinou o pagamento da indenização só aos filhos”, avalia.

Por outro lado, o diretor nacional do IBDFAM pondera: “Em princípio, com as ressalvas aqui feitas de que não temos acesso ao processo, nem ao voto já proferido, parece-nos que a hipótese seria de aplicação dos artigos 762 e 765, do Código Civil, de modo a declarar a nulidade do contrato (art. 762)”.

“A questão é saber se o contrato é ou não nulo, quanto à parte dos filhos beneficiários, porquanto a questão envolvendo a esposa não resta dúvida de que há nulidade. De fato, não é fácil, porque os filhos menores não tiveram participação direta no crime. Chama a atenção o fato de a representante dos menores se enquadrar na regra do artigo 765, do Código Civil”, comenta.

De acordo com o professor, um ponto que talvez se pudesse destacar sobre o Direito das Famílias, diz respeito à representação dos filhos até a maioridade que, em princípio, competiria à mãe, “mas não se sabe se está ou não cumprindo pena em regime fechado distante dos filhos ou mesmo se foi condenada com decisão terminativa”.

“Sendo a mãe, no caso, a representante legal dos filhos e tendo acesso ao valor do seguro, administrando-o em nome dos filhos, poderia haver indícios ainda maiores da quebra da boa-fé da mãe ao contratar o seguro, planejando ficar na administração dos valores, embora sejam depositados em favor dos filhos e estejam também sob o controle judicial, sempre se ouvindo o Ministério Público”, explica.

Rodrigo Toscano cita ainda o artigo 92, II, do Código Penal, segundo o qual um dos efeitos da condenação dos pais, nestas hipóteses, deve ser a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela, quando houver crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado. “Na situação da matéria publicada, teria que se nomear tutor para representar os filhos, diante da possível incapacidade da mãe para o exercício do poder familiar.”

“Por último, deve-se destacar que, no seguro de vida, o capital estipulado não se considera herança para todos os efeitos de direito, de modo que, no caso concreto, a questão versa sobre a obrigação de pagar ou não a indenização prevista, em face das circunstâncias que envolvem o fato específico”, conclui o especialista.

Processo: REsp 2.106.786

Por Débora Anunciação

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